«O aperto de mão era uma escritura»
Célia Marques
(Artigo publicado na Revista 250 Maiores Empresas do Distrito de Leiria, editada pelo Jornal de Leiria, distribuída com a edição de 22/11/2007 do semanário e de 24/11/2007 do Público)
Como surgem as rações na sua vida?
Os meus pais tinham uma mercearia e taberna. Resolvi tirar a carta e comprar uma carrinha para fazer entregas. Estávamos em 1951, dois anos depois da Segunda Grande Guerra. Não havia nada. Comprava toucinho no Montijo e vendia na zona Centro, assim como alguns cereais. Na década de 60 as condições nas aldeias melhoraram, as pessoas começaram a querer carnes mais nobres. Tinha uma engorda de porcos na Raposeira que alimentava com milho, mas começou a escassear, e era preciso misturar outros cereais. Eu era o único que tinha carro para os ir buscar. Comecei a fazer farinha para porcos. A certa altura comprei um moinho. Os vizinhos começaram a pedir para fazer para eles rações.
Assim nasceu a ideia de fazer a fábrica?
Em 1966 fizemos a primeira fábrica, na Raposeira, com um moinho e um misturador. Começámos a vender também para fora da Raposeira, em sacos de papel.
Manteve o negócio da pecuária?
Sim. Temos 12 mil porcos que comem 25 toneladas de ração por dia, embora o negócio com maior peso continue a ser as rações. Hoje não é um negócio competitivo, porque o preço da carne não acompanhou a subida das rações. Estamos à espera de melhores dias.
Mais tarde fez uma outra fábrica…
Dois anos depois revimos a estratégia. A fábrica da Raposeira já não tinha capacidade para satisfazer a clientela e pretendíamos atingir todo o mercado nacional. Em 1972 fizemos uma nova fábrica na Boavista, já com capacidade de fabrico e tecnologia acima da média. Em 1973 tínhamos 35 trabalhadores e sete camiões. A alimentação começava a contemplar mais leite, ovos e carne. Havia mais procura e a empresa começou a trabalhar por turnos. Em 1978 fazíamos todo o Centro Sul do país, já com 66 trabalhadores e 18 camiões. Em 1989 inaugurámos a terceira fábrica, com capacidade de fabrico de 40 toneladas hora e maior automatização.
Quais as maiores alterações das últimas décadas?
Tudo mudou. Até 1990 eram os clientes que procuravam as fábricas de rações. A partir daí tivemos nós de ir à procura dos clientes. Há um excesso de oferta no mercado. Muito pecuaristas começaram a ter problemas com os efluentes das explorações, a perder dinheiro e a fechar. Tem vindo a piorar. O ambiente faz a vida negra aos homens da pecuária e vacas leiteiras. Impõe exigências que não conseguem cumprir.
Como foi ajustando o modelo de negócio para contornar a crise?
Com produção e venda de rações para animais de companhia. Fazemos cerca de 100 toneladas por mês. Fabricamos alimentos para pássaros e até para caracóis. Tivemos de diversificar o produto.
O que pesa mais na facturação?
Continua a ser a ração para vacas leiteiras, novilhos de engorda e suínos. Hoje, embora façamos todo o mercado nacional, estamos mais implantados na zona Norte.
Como está o projecto da cadeia de lojas que previam abrir?
Temos uma na Maceira e outra em São Mamede. O resto está a aguardar.
A empresa continua a ter lucro?
Muito pouco. Os senhores da União Europeia que acabem com a produção de biodiesel, porque estão a fazer subir os cereais. Qualquer dia não há cereais para o pão. Vamos ter o pão caríssimo. E o aumento dos cereais não é acompanhado pela subida dos preço da carne, leite e ovos. As perspectivas são muito sombrias.
Qual foi o episódio mais marcante da história da empresa?
A inauguração da terceira fábrica em 1989. Era uma das maiores e mais equipadas em termos tecnológicos no país. Foi um motivo de orgulho.
Destaque as últimas inovações que implementou na fábrica.
Investimos no visual do saco e em maquinaria. No final do ano passado e princípio deste ano fizemos duas linhas para misturas ecológicas, automatizadas. Um investimento de cerca de 200 mil euros.
Dos acontecimentos que viveu, o que recorda com maior emoção?
O facto de ter começado do zero, com dinheiro emprestado e ter chegado aqui. Quando comecei a trabalhar ganhava um escudo por dia.
O que gostaria que fosse diferente em Portugal?
Que as pessoas fossem mais honestas. Dantes o aperto de mão era uma escritura. Os negócios selavam-se assim.
O que é para si um bom líder?
Aquele que respeitosamente consegue impor as suas opiniões e visão estratégica da empresa.
De onde veio o espírito empreendedor?
Da necessidade de alimentar a mulher e o filho.
O que mais e menos aprecia nas pessoas?
Aprecio a honestidade e detesto a hipocrisia e as mentiras.
Se pudesse voltar atrás o que faria diferente?
Não trabalhava tanto… (risos)
De que se ocupa hoje?
Leio os jornais e pouco mais. Dou umas voltas pela fábrica e converso com os empregados.